Progresso na Libertadores depois de 30 anos

LA TEJA 1
A casa do Clube Atletico Progresso

Açougues, sapatarias, lojas de roupas femininas, armazéns, casas de um único andar. Tudo muito simples e humilde. Sem grande movimento. Caminhar pela avenida Carlos María Ramirez é como voltar ao passado. A principal via do bairro “La Teja”, no oeste de Montevidéu, é um retrato da vida simples dos seus habitantes. Que, na verdade, é ainda mais simples e sem movimento nas cerca de cento e vinte quadras que compõem a comunidade. Sim, o termo “comunidade” pode ser usado sem medo. “La Teja” é isso – um local com características e cultura próprias. Um bairro que tem seus códigos e costumes. O carnaval é um deles. A região abriga uma manifestação chamada “Candombe”, uma espécie de bloco embalado por uma batucada africana, herança dos escravos. Há desfiles com vários “Candombes” no verão.

candombe
Candombes, tradição no carnaval uruguaio.

O futebol é outro item da cultura local. E torcer pelo Clube Atlético Progresso, representante do bairro, é quase uma religião. O nome não é por acaso. Os trabalhadores que fundaram o clube eram anarquistas e progressistas. Como são os habitantes do local até hoje. Ali está a mais sólida base da esquerda uruguaia. Em média oitenta por cento dos votos de seus habitantes são para a “Frente Ampla” de Tabaré Vazquez, primeiro esquerdista presidente da república, antecessor e sucessor de José Mujica, do mesmo partido.

TABARÉ VAZQUEZ
Vazquez deixou a presidência da república no final de 2019.

Nascido e criado em “La Teja”, Vazquez é o grande nome do bairro na medicina, política e no esporte. Ele presidiu o pequeno Clube Atlético Progresso por dez anos e o levou a um inédito e único título de campeão uruguaio, em seu último ano de mandato (1989). Um herói da torcida. No vídeo feito em 2017 para celebrar o centenário do clube, Vazquez é o primeiro e último a dar depoimento.

Voltemos à avenida Carlos María Ramirez. Lá no meio dela, coração do bairro, é possível encontrar duas construções geminadas pintadas de vermelho e amarelo. É a sede “social” do clube. Ali funcionam um “cine-teatro” (palco de shows para a comunidade e reuniões políticas) e um pequeno restaurante.

sede progresso
O Cine-teatro foi reformado e recebe projetos educativos e culturais da comunidade.

A um quilômetro fica o estádio Abraham Paladino que comporta sete mil torcedores, mas raramente atinge sua lotação. É tão pequeno que as câmeras de TV ficam do lado de fora, sustentadas por andaimes que as colocam acima do muro. De um lado fica uma grande avenida que corta a cidade. Do outro um pequeno lago separa a praça esportiva de uma refinaria de petróleo, maior atividade econômica do bairro nos dias atuais. Naquele terreno, antes, havia uma fazenda de charque, um dos motivos pelos quais os habitantes de “La Teja” são chamados de “Gauchos”.

ESTADIO PALADINO
Estádio Paladino (reprodução da TV)

Há três anos a presidência do clube passou às mãos do ex-jogador Fabián Cannobio, mais uma cria local. Meia-atacante de carreira pouco destacada, seguiu o caminho de centenas de conterrâneos. Saiu do Progresso, passou pelo Peñarol e de lá seguiu para a Espanha, onde jogou no Valencia, Celta e Valladollid. Depois de uma temporada na Grécia, retornou ao Uruguai para encerrar a carreira em 2013. Como presidente, deu uma levantada no time. Tanto que depois de trinta anos o bairro de “La Teja” está de volta à Libertadores. O vermelho e amarelo conquistou a quarta vaga uruguaia devido à soma de pontos ao longo do ano de 2019. Foi sétimo no Apertura e terceiro no Clausura, um ponto atrás dos gigantes Nacional e Peñarol.

FABIÁN CANNOBIO
O presidente Fabián Cannobio.

Outro personagem histórico nesta volta por cima é o treinador, Leonel Rocco. Ele era o goleiro do time histórico do final dos anos oitenta quando o Progresso se classificou para as duas únicas Libertadores de sua história. Depois rodou pelo continente: Argentina, Peru, Equador e Colômbia. Encerrou a carreira aos 41 anos e virou preparador de goleiros. Trabalhou como auxiliar de Guillermo Almada no Barcelona de Guayaquil que, por ironia do destino, será seu rival na primeira fase desta Libertadores. Virou técnico do Plaza Colonia, onde trabalhou no segundo semestre de 2016. Ao final de 2018 recebeu o convite para dirigir o clube onde começou. E o trouxe até aqui.

LEONEL ROCCO
Leonel Rocco inicia sua segunda temporada à frente do Progresso.

Seu time é muito firme na marcação, agressivo. Não à toa teve o segundo maior número de cartões vermelhos e o terceiro de amarelos na última temporada. Foi também o terceiro nas faltas cometidas. Com a bola nos pés constrói os ataques pelas laterais e praticamente todos os seus gols saem após cruzamentos. Alguns em cabeçadas diretas, outros no rebote ou após bate-rebate. Isso porque Rocco gosta que a equipe chegue com muitos jogadores na área adversária. Na da muito diferente dos demais times do país.

O futebol uruguaio é um dos mais pobres do continente. Seus clubes perdem jogadores para mercados como a Bolívia e o Peru. Nesse contexto o orçamento apertadíssimo do Progresso fez com que quatorze jogadores fossem embora ao final do ano, seis deles titulares. Mais de metade da equipe. Dos que ficaram destacam-se os meio-campistas  Riquero (37 anos) e seus parceiros Andrada e Viega. O goleiro Nicola Pérez foi um dos melhores da temporada e o lateral-direito Esteban Gonzalez é a fonte da maioria dos cruzamentos do time.

Reforços foram contratados. Alguns do próprio cenário local. Outros na segunda divisão chilena. A ideia é manter o estilo de jogo. Para entrosar o time vários amistosos foram programados até a estreia na Libertadores, dia 22, no estádio do Montevideu Wanderers que recentemente foi reformado e atente às exigências da Conmebol. Os apaixonados moradores de “La Teja” se deslocarão três quilômetros para acompanhar a partida histórica. Vão fazer um carnaval. Afinal, são festeiros. E há motivos para comemorar trinta anos depois. Eles avisam: nunca perderam como mandantes na Libertadores. Progressistas, hein?

 

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